quarta-feira, 16 de setembro de 2009
DIA MUNDIAL SEM CARRO - 22/09
No Brasil, mais de 56 milhões de veículos circulam pelas ruas e rodovias. Somente na cidade de São Paulo são cerca de seis milhões.
Além dos transtornos, como os congestionamentos intermináveis, estresse e acidentes, cada um desses veículos emite 16 toneladas de gás carbônico por ano, o que significa mais poluição no ar e aumento de gases efeito estufa na atmosfera. Preocupadas com a questão, em 1988, na França, 35 cidades iniciaram um movimento pela redução dos automóveis nas ruas e criaram o Dia Mundial Sem Carro, 22 de setembro.
Com o tempo, a mobilização se estendeu pelos países europeus, chegando inclusive a outros continentes. No Brasil, o primeiro Dia Mundial sem Carro aconteceu em 2001, e a cada ano crescem as adesões em todos os Estados. Mais de 280 organizações de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte estão envolvidas na iniciativa todos os anos. Na Capital paulista, as ações estão sendo organizadas por várias entidades, como o Movimento Nossa São Paulo, Instituto Akatu, Campanha Tic Tac, Coletivo Ecologia Urbana, SOS Mata Atlântica, Respira São Paulo, Sesc e Transporte Ativo.
Faltam políticas de incentivo
Em São Paulo, o objetivo do Dia Sem Carro é debater o uso de meios de transportes alternativos e menos poluentes, através dos eventos que acontecerão em toda a cidade. Segundo Oded Grajew, um dos idealizadores do Movimento Nossa São Paulo, que organiza a manifestação junto com outras 20 Ongs, a programação será extensa e pretende atingir um grande número de pessoas. "Por enquanto estamos na fase de informação, levando à sociedade diversas palestras e seminários com a intenção de ampliar o debate sobre a mobilidade urbana", disse.
Diferentemente de outras cidades, a organização paulistana do evento não pedirá à população que deixe o carro em casa. "Ainda é cedo para pensarmos em uma atitude assim; o que queremos é mostrar à população que é possível ir a vários lugares sem necessidade de um transporte individual", ressaltou.
A mudança de prioridades na área de transporte é fundamental para a melhora das condições da mobilidade, principalmente nos grandes centros. Incentivar o transporte coletivo, com ampliação do metrô e dos corredores de ônibus, além meios de locomoção menos poluentes, como a bicicleta, devem estar no topo da agenda das secretarias de transporte e infraestrutura. "Na cidade de São Paulo temos pouco mais de 15 km de ciclovias, já em Bogotá são 300 km, isso mostra uma forma diferente de se fazer política de transporte", disse Oded.
Um olhar mais amplo na urbanização que permita a redução da distância entre casa, trabalho e lazer é uma solução apontada por muitos arquitetos e engenheiros para impedir o colapso do sistema rodoviário mundial. "Isso também aproxima as pessoas e diminui a desigualdade social. Temos de repensar o modelo urbanístico atual, para não termos problemas no futuro", avaliou Oded Grajew.
A prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, participará do dia promovendo o workshop Desafios para a mobilidade sustentável na cidade de São Paulo, no dia 24 de setembro. "A idéia é termos um panorama do que já está em andamento na cidade e começaremos a discutir novas perspectivas, tendo em vista as tecnologias em desenvolvimento", disse Eduardo Jorge Sobrinho, secretário de Meio Ambiente do município.
Um dos projetos da secretaria é implantar mais de 100 km de ciclovias nos próximos anos, afirmou o secretário. "Ciclovias, ciclofaixas e ciclorredes estão em implantação em São Paulo; redes de bicicletários estão se formando, tudo para facilitar o transporte via bicicleta", disse.
A população paulistana que utiliza os meios de transporte coletivo sofre com atrasos e superlotação do sistema, o que estimula a utilização de carros. Mesmo com os corredores de ônibus, em horários de pico uma viagem entre os bairros de Vila Madalena e Pirituba, cerca de 8,5 km, pode durar até duas horas.
Conforme Eduardo Jorge, o poder público está investindo R$ 30 bilhões na ampliação do sistema viário, em São Paulo. "Estamos ampliando o metrô, corredores de ônibus, e aumentando a frota de veículos", afirmou.
Mais transporte público e planejamento
Em seu artigo "A crise da mobilidade urbana em São Paulo", o fundador e primeiro presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET), Roberto Scaringella, ressalta que “vem se verificando o aumento do grau e da extensão da área de deterioração do trânsito na cidade, o que acaba contribuindo para a degradação urbana”. Em menos de cinco anos (entre 1992 e 1997) a média de quilômetros de congestionamento medido pela CET no sistema viário principal da cidade passou de 40 km na hora de pico da tarde para 120 km. "Hoje, há congestionamentos significativos em corredores da mais longínqua periferia e em todos os quadrantes", afirma Scaringela.
Outro aspecto importante a ser considerado é a existência de duas realidades urbanas bem distintas, como se fossem duas cidades: temos a São Paulo oficial e a clandestina, irregular, completamente fora da lei e de controle. "As ocupações irregulares, favelas de alvenaria surgem numa velocidade e extensão assustadoras, gerando mobilidade clandestina sem planejamento e sem controle. Aliás, o planejamento urbano é um processo praticamente inexistente. O que se propõe é sempre atrasado e vai a reboque da realidade incontrolada que se implanta apesar de ao arrepio da lei", enfatiza em seu texto.
O sistema metroviário, de grande eficiência, soma hoje 61 km de rede mas deveria ser no mínimo dez vezes maior, pela escala da cidade, na opinião do engenheiro. Um modelo de assentamento de áreas dormitório próximas a postos de trabalho é outra sugestão citada por ele para minimizar o caótico trânsito da cidade. "É uma questão que muito se fala e pouco se faz, e mesmo que em escala relativamente pequena, o impacto no trânsito seria significativo", analisou.
Algumas cidades européias, como Londres, possuem pedágios em suas principais vias urbanas para tentar desestimular o uso individual do automóvel, e essa pode ser também uma solução na capital paulistana. "O pedágio urbano é uma tese debatida há muito tempo. Um dos motivos de sua não utilização era a falta de tecnologia que identifica o veículo em movimento, dificuldade hoje superada, havendo tecnologia disponível no Brasil. A tarifação do trânsito urbano já é aplicada em algumas partes e a comunidade técnica mundial transformou em assunto de grande atualidade", destacou em seu artigo.
Mais saúde e menos poluição
A bicicleta é um importante meio de deslocamento urbano que integra saúde, sustentabilidade e custo. Muitos países vêm trabalhando sua integração com os modos coletivos de transporte por meio de construção de bicicletários nas estações de trem. Mas o Brasil ainda caminha a passos de tartaruga em relação a essa forma de transporte, que ainda é visto por muitas pessoas como “um objeto de classes sociais baixas”.
Para a jornalista Renata Falzoni, a bicicleta é uma solução para transporte, para saúde e para a qualidade de vida. "É o único meio de transporte auto-sustentável que existe, sem falar que é mais eficiente do que qualquer outro modal, em distâncias de até 6 km", assegura.
Países como Holanda, Suécia e Dinamarca têm uma grande tradição de ciclismo urbano, assim como a China que tem a bicicleta como o mais importante meio de transporte. "Mundialmente a bicicleta ocupa espaço de destaque na mobilidade urbana das grandes cidades, em especial na Europa, independente do tipo de terreno ou número de habitantes da cidade", afirma Renata, que é fundadora do Night Bikers, grupo de ciclistas que fazem passeios noturnos por São Paulo, além de difundir a educação e a segurança dos ciclistas e suas bicicletas.
Visto ainda como uma forma de lazer, o ciclismo tem timidamente ganhado espaço nos centros urbanos. "Há que se ter uma opção na política pública de mobilidade para que a bicicleta entre como um modal de transporte de forma séria", analisou Renata, que critica a falta de visão dos governos para os meios de transportes que não sejam automóveis. "Isso também acontece com os pedestres. As rotas dos pedestres inexistem, as calçadas são truncadas por ruas e avenidas e nem sempre existem faixas de pedestres que garantam a segurança destes ao cortar a malha viária", enfatizou.
Para ela, enquanto a política pública de mobilidade tiver olhos apenas para os veículos motorizados nada acontecerá de eficiente para pedestres e ciclistas. "Não é uma questão de espaço ou dinheiro, é uma opção política a ser adotada, uma quebra de paradigma", finalizou a jornalista.
FONTE : Fabrício Ângelo, da Envolverde - especial para o Instituto Ethos
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